10/14/2005

6ª SESSÃO - SETEMBRO

Depressa, julgo, se chegou a Setembro de 1976. Como o que se segue é denso, pede-se paciência. E, sobretudo, confiança - isto não é ficção.
Estavam terminadas as avaliações. Passámos às três cadeiras cerca de 500 alunos. Os restantes tinham desistido, mudado de curso, ou chumbado a uma ou mais cadeiras. Estes, repito, estavam sujeitos à pena de não se puderem re-matricular.
Decidiram-se as vagas: 300 para Medicina, a que se juntaram mais trinta (quem diz que não pode funcionar com tantos alunos?), 50 para cada um dos "paramédicos": dentária, nutricionismo, psicologia, ginástica. Entretanto, dentária foi convertida em medicina-dentária, contrariando a lei vigente (ainda hoje) e ginástica em educação física.
A seriação foi, como hoje, baseada num jogo de bolsa de valores.1º Medicina, 2º Dentária, 3º Nutricionismo, 4º Ginástica.. Interessante como 30 anos depois a seriação se faria pela mesma ordem.
Há aqui uma nebulosa que nem importa dissipar. Quando começou cada curso, onde, com que planos de estudo, tudo isso é de somenos importância.Na altura, o tempo tinha descomprimido, como se a realidade física nele interferisse. E ainda hoje tudo isso parece insignificante.
Cumpre informar que por esta altura ainda se não conhecia qualquer caso de suicídio ou de perturbação psicótica, depressiva, ou outra. Os combates extremos centrifugam as almas, algumas saem de órbita- as que ficam ficam para contar como foi.
Os primeiros tempos dos novos cursos foram normais. Medicina ("os vossos colegas foram uns burros! Tivessem pedido e ficavam todos aqui...")e "paramédicos": Dentária (shiu, estejam calados que vão ser tratados como médicos) Nutricionismo (onde estavam vocês? Há 400 vagas à vossa espera no país!) Psicologia (empurrada para Letras, chegou a ter 12 cadeiras de línguas estrangeiras) e Ginástica, a bem da verdade o único que construiu um percurso com personalidade.

10/11/2005

5ª SESSÃO : O HORROR

E está na recta final o 1º ano do tronco comum de Medicina da FMUP. Parece que Sottomayor Cardia já é Ministro da Educação de Mário Soares. Aos nossos apelos, não responde porque não sabe.
Iam correndo as avaliações. Conforme os turnos, a Citologia, a Bioquímica e Biofísica e, para sobremesa, a Bioestatística.
Introduzida pela primeira vez massivamente no Ensino Superior, a Matemática e a Estatística fizeram aqui História. Com uma dúzia de aulas e outras tantas de apontamentos, despertámos: por muito importante que seja, a Estatística vai ajudar a decidir quem será médico ou ... paramédico?. Deliciados com o argumento, houve greve aos exames da cadeira. Votada a greve em Assembleia Geral, foi levado o rigor democrático ao ponto de, em greve, não se permitir que alguém individualmente decidisse fazer exame.
Uma vez, duas vezes ...

O SEGUNDO VOLUNTARIADO - O DESPERTAR DE CARDIA

O Ministro da Educação passou a estar informado do nosso problema e, num ápice, enviou-nos para o nosso segundo voluntariado no espaço de um ano.
Por Despacho seu, iríamos fazer o exame no Comando Central da PSP do Porto, vigiados, e sob o regime de absoluto voluntariado.

Fomos divididos por cinco dias. Em cada um, o grau de dificuldade era radicalmente diferente. E -curioso!- eramos agrupados segundo o grau de contestação feito. Que precisão, Santo Deus! Era tal e qual...Os mais contestatários suaram a estopinhas para arrancar um dez ou um onze no exame, quando não chumbavam: os outros, com permissão senão ordem par copiar, arrancavam sonoros quinze, desasseis e vintes.
Só éramos iguais à entrada:

"Eu, abaixo assinado, declaro que me submeto voluntariamente a executar o exame na disciplina de Bioestatística".

Quem não assinasse voluntariamente não podia fazer o exame. Chumbava. E quem chumbasse, nesta ou noutra cadeira, jamais se poderia matricular novamente na Universidade do Porto.

10/10/2005

4ª SESSÃO - A VERGONHA ANTES DE BOLONHA

Situação neste ponto: Antes deste processo- que no essencial se iniciou no pós-25 de Abril- Portugal possuía um sistema de Ensino Superior a que não faltava limpidez: dois ciclos básicos, o de Bacharelato e o de Licenciatura, formando qualquer um deles dê-erres competentes para a sociedade, que podiam macular-se se na sua prática esquecessem a ética e/ou os conhecimentos adquiridos, mas cuja titularidade académica não suscitava qualquer dúvida.
Nesta altura, estávamos em 1976, já havia sinais que, de inverosímeis, se limitavam a alimentar o bom humor em serões e tertúlias aliviando o stress que nos ia asfixiando. Não pretendendo ser exacto nas datas, isso seria difícil, circulavam já as histórias dos engenheiros saídos dos Institutos Industriais para onde haviam entrado com o 5º ano liceal mais dois dos ditos Institutos ; também os professores de Educação Manual e Visual cujas habilitações iam do ciclo preparatório ao 5º no do ensino liceal e que, administrativamente, passavam a ganhar como qualquer professor titular de bacharelato e de licenciatura, tendo-lhes sido mesmo atribuído o título administrativo de bacharel e de licenciado.
O argumento, que se repetiu nas décadas seguintes com outros grupos sociais, era assim : exerciam as mesmas funções. E pergunta-se: se alguém, por exemplo um socorrista, salvar muitas vidas, deve ganhar tanto como um médico?
Mas tudo isto era ainda uma pequenina amostra do que se seguiria em Portugal, no âmbito do ensino superior.
Haja a lucidez de não nos perdermos, tamanhos são os caminhos do dito, e de tudo retratar com a parcimónia e a correcção que todos os assuntos sérios merecem.Sérios, ou de Estado, ou de Suprema Justiça como parece ser o caso.
Estava pois iniciado o processo mais produtivo mais rápido e produtivo no nosso país. Talvez outro não haja que se lhe compare.
É que, nos anos seguintes e até ao presente, o horror instalou-se a ponto de hoje contando com reformas e vencimentos no activo, existirem entre 100.000 a 200.000 portugueses a auferir como quadros superiores, sem nunca terem pisado o átrio de uma Universidade, e muitos possuirem mesmo, ainda que só administrativamente, o título de Mestre e de Doutor...
No mínimo, em salários indevidamente pagos, Portugal paga por ano cerca de 280000000 contos...
O que reforça, por injusto, o absurdo do processo que estávamos a passar.
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