10/27/2005

9ª SESSÃO - DOS CANINOS AOS MOLARES

O momento supremo de uma certa arrogância entretanto adquirida ocorreu uns anos mais tarde. Continuavam os Dentistas a recusar lugares na Administração Pública, mas já se espalhavam pelo País, vilas incluídas, porque o número já não era comportado nas grandes cidades.
Cumpre dizer que a arrogância era humanamente compreensível a nível dos alunos/ recém-licenciados. Imagine-se um jovem, a rondar os 25 anos, com uma origem social que predominantemente vinha de uma classe média-baixa, a recuperar de um sufoco económico e de regime, e a quem era subitamente deposta uma dose de poder e de protagonismo o qual não está capacitado de gerir: o descalabro é eminente. Isto também se aplica aos médicos, a classe profissional com mais poder decisivo nas nossas vidas. Porque, face à lei, é o médico que decide se estamos doentes ou não, se estamos vivos ou não. Ninguém está oficialmente morto se um médico não o declarar . É um poder demasiado para quem tem 25 anos e um percurso de educação familiar e social que nem sempre será o correcto.
Se há aqui culpados, e voltamos à boca da questão, eles são seguramente, e só, os Professores que montaram esta anormalidade, e o poder político que, por estupidez ou por ignorância absoluta (ou as duas coisas) permitiram que isto acontecesse.
Ainda estes senhores estavam na Ordem dos Médicos, mas já a pensar em constituir a sua Associação própria - que, estranhamente, teria os poderes de Ordem – quando tudo estalou.
O Brasil, país onde a História Académica muito nos poderia ensinar, há já muitos anos formava nas suas Universidades os Cirurgiões-Dentistas.
País em crise, nomeadamente no emprego, os seus Cirurgiões-Dentistas rumam a Portugal da mesma forma que muitos portugueses haviam feito em sentido contrário.
Cirurgiões-Dentistas ? Que é isso? Que arrogância no nome, disseram os nossos... Médicos-Dentistas. Que formação têm? Nenhuma! Cuidado, portugueses, eles iriam destruir os vossos dentes!
E os portugueses, que dos dentes só conheciam a dor e as dezenas de contos pagos por consulta/tratamento, foram bombardeados durante meses com discussões sobre as quais nada sabiam. Caso único em Portugal, - nem os médicos fizeram tal coisa a colegas vindos de outros países – mobilizaram o poder político dos dois países, a opinião pública, para dizerem... não. Aqueles senhores, aqui, não exerceriam a profissão porque eles não deixaram. Não têm qualificações. Sabe-se lá onde se formaram. Juntaram-se os dois Governos envolvidos. Foram manchete da Imprensa escrita, falada e vista. O então presidente desta futura Ordem teve honras de tempo de antena em directo, daqui e d'além mar, junto com governantes dos dois países, notando-se nele um ego incapaz de gerir tanto protagonismo gerado por si próprio.
Foi a maior demonstração de poder- tendo em conta a importância relativa- do Portugal pós-Abril.
A relação entre Portugal e o Brasil tremeu. Houve trocas a nível de embaixadas, não se sabe se caíram ministros.
E os cirurgiões-dentistas não poderiam trabalhar se não prestassem vassalagem avaliativa perante a Ordem, tudo em nome da saúde oral dos portugueses.
Caso estranho, nesta altura, os nossos médicos-dentistas sofriam em Tribunal a grande humilhação do seu ego, caso nunca citado na Imprensa.
Havendo muitos médicos de clínica geral a abrir consultórios de Dentária, exercendo o mesmo mester, revoltaram-se também aqui os dentistas porque os ... médicos não possuíam as qualificações necessárias para tão exclusiva profissão. Foram para tribunal em disputa da exclusividade da prática oral, e a sentença foi clara:
O exercício da saúde oral é um acto médico; nesta conformidade, só pode ser exercida pelos licenciados em medicina, coisa que os licenciados em medicina-dentária não são.
Para que conste.
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